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DIREITO SEM FRONTEIRAS: “Me ouviram com atenção” Mulheres migrantes rompem ciclo de violência por intermédio da DPE-RR

Terceira reportagem de série especial conta a história de L.R.F.G., migrante que obteve medida protetiva com apoio da Defensoria Especializada da Mulher

L.R.F.G., 27, buscou a DPE-RR para solicitar uma medida protetiva após sofrer violência doméstica – FOTOS: Valdir Waismann/ASCOM/DPE-RR

Aos 27 anos, L.R.F.G. carrega no olhar a mistura de força e resiliência de quem já enfrentou mais do que parecia possível. Migrante venezuelana, ela deixou seu país com a esperança de um recomeço no Brasil, ao lado dos dois filhos pequenos – um de 8 anos e outro de apenas 4. Mas, dois meses após cruzar a fronteira, foi agredida pelo então parceiro, pai do filho caçula. Essa história, porém, ganhou um novo rumo com o apoio da Defensoria Pública de Roraima.

“Eles me ouviram com atenção, perguntaram sobre o que tinha acontecido, quantas vezes ele havia sido violento, se ele tinha comportamentos manipuladores, me orientaram em todo o processo. Pouco tempo depois, consegui a medida protetiva para que ele ficasse a mais de 200 metros de distância”, conta.

O comportamento do ex-companheiro foi uma surpresa. L.R.F.G. conta que, no início, tudo era tranquilo. Eles se conheceram ainda na Venezuela, se afastaram por um período de três anos e, quando se reencontraram, ele se dispôs a acompanhá-la até o Brasil, prometendo construir uma nova vida em família.

“Ele nunca havia demonstrado comportamento agressivo, mas depois de dois meses no Brasil, começou a mudar. Um dia, me empurrou. Foi a primeira vez que me agrediu fisicamente. Eu fiquei em choque, porque venho de uma família muito amorosa. Nunca tinha apanhado, nem do meu pai, nem da minha mãe”, desabafa.

Para L.R.F.G., o apoio da Defensoria Pública significou uma nova chance de viver. “Na Venezuela, não existe apoio para mulheres em situações como essa. Muitas acabam acreditando que a violência é normal, porque não têm a quem recorrer”, explica.

Após a medida protetiva, o agressor descumpriu a ordem judicial, chegando a ficar a apenas 65 metros dela. No entanto, ela não está sozinha nessa luta. Seu irmão tem sido uma figura essencial nesse processo. Ele não apenas tem ajudado a cuidar das crianças, mas também assumiu a responsabilidade pelas finanças da casa.

A história de L.R.F.G. reflete a realidade de muitas mulheres migrantes que buscam recomeçar suas vidas em Roraima, mas acabam enfrentando desafios agravados pela violência doméstica. A defensora pública Terezinha Muniz, titular da Defensoria Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, detalha que uma das principais dificuldades enfrentadas pelas mulheres em situação de violência, especialmente as migrantes, é a dependência em relação ao agressor, seja ela emocional ou financeira. Conforme a defensora, muitas chegam devastadas, sem conseguir priorizar a própria segurança. “Elas dizem que não é a primeira vez que foram agredidas, que o agressor promete mudar, mas isso não acontece. Nossa atuação é para ajudar essas mulheres a romperem com esse ciclo”, disse.

Para isso, a Defensoria trabalha em parceria com órgãos de assistência social e de saúde. “Encaminhamos essas mulheres para inclusão em programas sociais, como o Bolsa Família, e até para projetos de moradia. Também solicitamos atendimento psicológico, essencial para que elas possam se enxergar como protagonistas de suas histórias, retomando a autoestima e a autonomia”, afirma.

Terezinha mencionou que o atendimento às migrantes segue os mesmos princípios que orientam o acolhimento de mulheres brasileiras. “A Constituição garante que todos são iguais perante a lei, sem distinção de nacionalidade. Nosso compromisso é assegurar que elas compreendam as orientações e os direitos que possuem aqui, no Brasil”, explica.

No caso das migrantes, a presença de intérpretes é essencial para eliminar barreiras linguísticas e culturais. “Muitas vezes, elas não entendem o português nem as leis do Brasil, que podem ser muito diferentes das do país de origem. Por isso, garantimos que o atendimento conte com intérpretes, para que não restem dúvidas sobre o processo ou a proteção que estão recebendo”, disse.

Além do suporte jurídico, a Defensoria busca oferecer um atendimento integral, identificando todas as necessidades das mulheres em situação de violência. “Temos uma Central de Atendimento e Peticionamento Inicial da área de família na Especializada. Assim, ao final do atendimento sobre a violência sofrida, a assistida já pode iniciar ações como pedido de pensão alimentícia ou guarda dos filhos, por exemplo”, explica a defensora.

Em 2024, a Especializada realizou mais de 400 requisições para inclusão em programas sociais e de saúde mental, tanto para brasileiras quanto para estrangeiras, reforçando o compromisso com o atendimento integral e humanizado. “Nosso objetivo é oferecer a essas mulheres as ferramentas necessárias para reconstruírem suas vidas, longe da violência e com acesso pleno aos seus direitos”, conclui a defensora.

ACOLHIMENTO: A atuação da DPE-RR vai além do jurídico ao oferecer suporte emocional às mulheres sobreviventes de violência doméstica e seus filhos. O psicólogo Ed Luiz Chaves, da Defensoria Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, explica que o acolhimento é essencial para ajudar essas mulheres a romper o ciclo da violência.

“Sabemos que não é uma decisão fácil, seja pela questão econômica ou pelos filhos. No entanto, é importante refletir se é saudável para as crianças crescerem em um ambiente violento ou formarem sua personalidade em um contexto nocivo. Quando uma mulher decide sair desse ciclo, ocorre uma transformação na dinâmica familiar. Por isso, o suporte psicológico é essencial para toda a família, permitindo que mãe e filhos possam expressar seus sentimentos e reconstruir suas vidas”, destacou o psicólogo.

Ed Luiz ressalta que a violência doméstica vai além das marcas físicas. “Mulheres chegam até nós com quadros de adoecimento graves, como depressão, transtorno de ansiedade, frutos de abusos psicológicos que, muitas vezes, não são percebidos inicialmente. A violência psicológica pode ser devastadora, deixando cicatrizes profundas na autoestima e na saúde mental da vítima”, acrescentou.

Esta reportagem é a terceira da série especial “Direito Sem Fronteiras”, uma iniciativa da Assessoria de Comunicação da DPE-RR. A série tem como objetivo destacar as diversas frentes de atuação da instituição na garantia de direitos de pessoas migrantes, evidenciando histórias que refletem o compromisso da Defensoria com a dignidade e a cidadania, independentemente das barreiras geográficas ou culturais.

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