NOTA TÉCNICA – CPDDM/CONDEGE - URGENTE

Assunto: PORTARIA Nº 2.282, DE 27 DE AGOSTO DE 2020.

A COMISSÃO ESPECIAL DE PROTEÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER DO CONDEGE, vem apresentar nota técnica sobre a Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020 do Ministério da Saúde. A referida portaria dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS, e traz mudanças substanciais no tocante ao atendimento humanizado de meninas, adolescentes e mulheres, no âmbito dos serviços de saúde de acolhimento e atendimento às vítimas de violência sexual.  

 

  1. INTRODUÇÃO:

 

A presente Nota Técnica objetiva analisar a Portaria nº 2.282, de 27 de agosto de 2020 do Ministério da Saúde, que dispõe sobre o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de SaúdeSUS.

A Portaria revoga o Título V do Capítulo VII da Seção II - Do Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei - (Origem: PRT MS/GM 1508/2005), Artigos 694 a 700, da Portaria de Consolidação nº 5 de, 28 de setembro de 2017, e apresenta como motivação para as alterações a atribuição do Ministério da Saúde em disciplinar as medidas assecuratórias da licitude do procedimento de interrupção da gravidez nos casos previstos em lei quando realizados no âmbito do SUS; a previsão do Código Penal Brasileiro em estabelecer “como requisitos para o aborto humanitário ou sentimental”, previsto no inciso II do art. 128, que ele seja praticado por profissional da medicina e com o consentimento da mulher; as alterações promovidas pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, no art. 213 e a inclusão do art. 217-A no Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), que tipificam, respectivamente, os crimes de estupro e estupro de vulnerável; a Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, que altera o artigo 225 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tornar pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável; e a necessidade de se garantir aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento de interrupção da gravidez segurança jurídica efetiva para a realização do aludido procedimento nos casos previstos em lei; além de um Ofício nº 3475125/2020-DPU MG/05OFR MG, que solicitaria a revogação da Norma Técnica "Prevenção e tratamento de agravos resultantes da violência sexual contra mulher e adolescentes" e da Portaria nº 1.508 GM/MS, de 1º de Setembro de 2005. 

Contudo, as alterações propostas se mostram a produzir resultado nefasto aos direitos de meninas, adolescentes e mulheres, e ao mais amplo acolhimento quando atendidas nos serviços de saúde de atendimento como vítimas de violência sexual, caracterizando o retrocesso na perspectiva do cuidado humanizado e autonomia da mulher; em afronta ao direito  ao sigilo entre o/a profissional de saúde e suas pacientes, violando, em consequência, os direitos fundamentais à privacidade, confidencialidade e intimidade; enfatizando o caráter da persecução criminal em detrimento à abordagem terapêutica e humanizada das vítimas violência sexual, ou seja, incorpora nos serviços da saúde verdadeira investigação penal; e, por fim, cria procedimentos que incentivam e institucionalizam mecanismos de revitimização e culpabilização da vítima, tal como a possibilidade de visualização do produto de concepção da violência. 

Por outro lado, a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher[1] e a Norma Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual[2] contra Mulheres e Adolescestes, ambas do Ministério da Saúde, determinam que os/as profissionais de saúde devem garantir o exercício pleno dos direitos humanos das mulheres, o que é base de uma saúde pública de fato universal, integral e equânime, bem como flagrante descumprimento da Lei  nº12.845/13 que trata da obrigatoriedade dos serviços de saúde prestarem atenção integral às vítimas de violência sexual, sendo costumeiramente negligenciado e descumprindo esse atendimento pelas serviços de saúde.  

 

  1. AS VIOLAÇÕES DE DIREITOS DA PORTARIA 2282 DO MS:

 

As alterações propostas pela Portaria ofendem sobremaneira várias premissas do enfrentamento à violência de gênero e devem ser analisadas pontualmente.

  1. Da notificação à autoridade policial e do papel do sistema de saúde no enfrentamento à violência de gênero.

 

PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 5

Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde.

Seção II

Do Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei

 

PORTARIA Nº 2.282

 

Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e

Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.

Art. 694. O Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei é condição necessária para adoção de qualquer medida de interrupção da gravidez no âmbito do Sistema Único de Saúde, excetuados os casos que envolvem riscos de morte à mulher.

(Origem: PRT MS/GM 1508/2005, Art. 1º)

Art. 1º É obrigatória a notificação à autoridade policial pelo médico, demais profissionais de saúde ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde que acolheram a paciente dos casos em que houver indícios ou confirmação do crime de estupro.

Parágrafo único. Os profissionais mencionados no caput deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime, nos termos da Lei Federal nº 12.654, de 2012.

 

A primeira modificação trazida pela Portaria nº 2.282, acrescenta a obrigatoriedade da notificação pelos/as profissionais de saúde, médicos/as ou responsáveis pelo estabelecimento de saúde a autoridade policial nos casos de atendimento de vítimas em que haja indícios ou confirmação do crime de estupro. 

Considerando as consequências da violência de gênero para a saúde das meninas, adolescente e mulheres, o sistema de saúde tem um papel central nesse enfretamento. Dentre os princípios orientadores da estratégia e plano de ação para o reforço do sistema de saúde para abordar a violência contra a mulher dos órgãos diretivos da Organização Pan-AMericana da Saúde[3] (OPAS), o respeito aos direitos humanos e direitos civis, e, como consequência, o respeito à autodeterminação como sendo o direito de tomadas as próprias decisões quanto à atenção médica e ação judicial, o respeito a privacidade e confidencialidade. 

É de se observar que nenhuma estratégia de ação a ser adotada pela saúde e pensada em nível regional- para América Latina- envolve a comunicação entre o sistema de saúde e autoridades policias com vistas a instauração de procedimentos policiais, em desrespeito a autonomia de mulheres. Portanto, as estratégias para enfrentamento à violência contra as mulheres envolvem as seguintes ações[4]:

 

  1. Linha estratégica de ação 1: Fortalecer a disponibilidade e o uso das evidências sobre a violência contra a mulher;
  2. Linha estratégica de ação 2: Consolidar o compromisso político e financeiro para abordar a violência contra a mulher nos sistemas de saúde;
  • Linha estratégica de ação 3: Reforçar a capacidade dos sistemas de saúde de proporcionar atendimento e apoio efetivos às mulheres que sofrem violência praticada pelo parceiro íntimo e/ou violência sexual; iv) Linha estratégica de ação 4: Reforçar o papel do sistema de saúde de prevenir a violência contra a mulher.

 

A nível nacional, a construção dos princípios e diretrizes orientadores do sistema de saúde, no que pertine ao enfrentamento da violência de gênero é semelhante. O documento publicado pelo Ministério da Saúde denominado “Política Nacional de Atenção integral à Saúde Da Mulher- Princípios e Diretrizes” acentua que a violência contra a mulher, sobretudo a violência doméstica e a sexual, são graves problemas de saúde pública. Destaca, ainda, que o número de mulheres que procuram o sistema de saúde pelos agravos, físicos ou psicológicos, decorrentes da violência é baixo, o que pode ser decorrência a pouca divulgação ou da dificuldade de acesso aos serviços5.

 

Dentre as diretrizes orientadoras do atendimento à saúde das mulheres deve-se destacar o princípio da humanização:

 

 “Compreendido como atitudes e comportamentos do profissional de saúde que contribuam para reforçar o caráter da atenção à saúde como direito, que melhorem o grau de informação das mulheres em relação ao seu corpo e suas condições de saúde, ampliando sua capacidade de fazer escolhas adequadas ao seu contexto e momento de vida; que promovam o acolhimento das demandas conhecidas ou não pelas equipes de saúde”[5].

 

Na espécie, a notificação para a autoridade policial não encontra respaldo nas normativas internacionais e nacionais aqui mencionadas. Isto porque, como apontado, em situações de violência sexual o atendimento deve respeitar a autonomia e intimidade das mulheres e seu direito de escolha. Assim, ao procurar um serviço de saúde, após sofrer violência sexual, não deve existir qualquer forma de atuação institucional na saúde, com o viés de investigação penal. De outra vertente, em toda a normativa sobre o atendimento especializado às vítimas de violência sexual, inexiste previsão de notificação obrigatória a autoridade policial diretamente pelo serviço de saúde, ao contrário, é preconizada a promoção de atendimento integrado e intersetorial.

São diretrizes dos atendimentos de pessoas em situação de violência sexual o sigilo e a privacidade, tal como prevê o Decreto nº 7.958, de 13 de março de 2013, que estabelece diretrizes para o atendimento às vítimas de violência sexual pelos profissionais de segurança pública e da rede de atendimento do Sistema Único de Saúde (art. 2º, II).  Ademais, a Lei nº 12.845, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre o atendimento obrigatório e integral de pessoas em situação de violência sexual, determina que deve haver a facilitação do registro da ocorrência e encaminhamento ao órgão de medicina legal e às delegacias especializadas com informações que possam ser úteis à identificação do agressor e à comprovação da violência sexual (art.3º, III).

Já a Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e da adolescente vítima, ou testemunha de violência, dispõe que as políticas implementadas nos sistemas de justiça, segurança pública, assistência social, educação e saúde deverão adotar ações articuladas, coordenadas e efetivas voltadas ao acolhimento e ao atendimento integral às vítimas de violência, no caso de violência sexual cabe ao responsável da rede de proteção garantir a urgência e a celeridade necessárias ao atendimento de saúde e à produção probatória, preservada a confidencialidade (art. 14, §2º).

O Decreto nº 9.603, de 10 de dezembro de 2018, regulamento da Lei nº 13.431/17, determina que o fluxo de atendimento, deve observar os seguintes requisitos: a) os atendimentos à criança ou ao adolescente serão feitos de maneira articulada; e b) a superposição de tarefas será evitada (art. 9º, II).

Dentro da normativa administrativa do Ministério da Saúde, a Nota Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes, traz com clareza solar a diretriz sobre o tema:

 

“Após o atendimento médico, se a mulher tiver condições, poderá ir à delegacia para lavrar o Boletim de Ocorrência Policial, prestar depoimento, ou submeter-se a exame pelos peritos do IML. Se, por alguma razão, não for mais possível a realização dos exames periciais diretamente pelo IML, os peritos podem fazer o laudo de forma indireta, com base no prontuário médico. Assim, os dados sobre a violência sofrida e suas circunstâncias, bem como os achados do exame físico e as medidas instituídas, devem ser cuidadosamente descritos e registrados em prontuário. O Boletim de Ocorrência Policial registra a violência para o conhecimento da autoridade policial, que determina a instauração do inquérito e da investigação. O laudo do Instituto Médico Legal (IML) é documento elaborado para fazer prova criminal. A exigência de apresentação destes documentos para atendimento nos serviços de saúde é incorreta e ilegal. O atendimento de pessoas em situação de violência sexual exige o cumprimento dos princípios de sigilo, de ética e segredo profissional. 

A Constituição Federal, artigo 5°, garante que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização material ou moral decorrente de sua violação”. O artigo 154 do Código Penal Brasileiro caracteriza como crime “revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem”. Da mesma forma, o Código de Ética Médica, artigo 103, estabelece que “é vedado ao médico revelar segredo profissional referente a paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente”. O atendimento de crianças e adolescentes em situação de violência sexual também se submete aos mesmos fundamentos éticos e legais. A assistência à saúde da menor de 18 anos deve observar ao princípio de sua proteção. Se a revelação dos fatos for feita para preservá-la de danos, está afastado o crime de revelação de segredo profissional. Entretanto, a revelação do ocorrido também pode lhe acarretar danos, em algumas circunstâncias. Entre outros prejuízos ainda mais graves, ela pode afastar-se do serviço e perder a confiança nos profissionais que a assistem. Nesse caso, a decisão do profissional de saúde deve estar justificada no prontuário da criança ou da adolescente. A negociação da quebra de sigilo com as adolescentes poderá evitar os prejuízos; além de ser um direito garantido pelo ECA no Art. 16, item II, como o direito à liberdade de opinião e expressão, e no Art. 17, no que diz respeito à autonomia. Entretanto, salienta-se que frente a qualquer suspeita ou confirmação de violência contra criança e adolescente, independente do tipo ou natureza da violência cometida, a notificação é obrigatória e o profissional de saúde que não o fizer estará cometendo negligência no atendimento, estando sujeito às medidas legais e administrativas.”

 

 

Ocorre que, a notificação não pode fazer o papel da denúncia, mas, sim, um instrumento de garantia de direitos. No caso de violência sexual envolvendo crianças e adolescentes, a notificação é feita pelo serviço de saúde do Sinan (setor Saúde) e, além disso, é obrigatória a comunicação ao Conselho Tutelar (artigo 13 da Lei 8.069/1990). 

Através do Conselho Tutelar que o Ministério Público, a Autoridade Policial e o Poder Judiciário deverão ser acionados, de forma a priorizar o acolhimento médico livre de qualquer pressão, após as etapas de acolhimento, atendimento e notificação ao Conselho Tutelar, para então, dar seguimento a rede de proteção social, na linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências.

Por fim, a Nota Técnica para a Atenção Humanizada às Pessoas em Situação de Violência Sexual com Registro de Informações e Coleta de Vestígios editada pelo Ministério da Saúde[6], pelo Ministério da Justiça e pela SPM/PR – Secretaria de Políticas para as Mulheres, e a Nota Técnica dispõe que os serviços de saúde devem garantir a necessária privacidade durante o atendimento, estabelecendo um ambiente de confiança e respeito; manter sigilo sobre as informações prestadas pela vítima ou pelo seu responsável, repassando a outro profissional ou outro serviço, apenas as informações necessárias para garantir o atendimento adequado (pg. 22).

Por todo exposto, a previsão de notificação compulsória da autoridade policial pelo serviço médico, vulnerabiliza a pessoa em situação de violência sexual, além de contrariar a legislação e normativa sobre o tema, pois, aos profissionais e serviços de saúde não devem ter como atribuição medidas afetas à segurança pública.

Por fim, o sigilo médico é um direito-dever que constitui um preceito ético de todas as profissões de saúde, e encontra albergue na Constituição Federal (art. 5º, X), é protegido pelo tipo penal de violação do segredo profissional (art. 154, CP), e está previsto como falta ética no Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 2217, de 27 de setembro de 2018 (art.

73 e 74).

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) traz dispositivo semelhante no artigo 17: “Ninguém poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais às suas honra e reputação”[7].

No âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) foi firmada a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, promulgada pelo Decreto nº 678/1992. No tocante à privacidade, o artigo 11 também proíbe a prática de qualquer ingerência arbitrária ou abusiva na vida privada[8]

A Constituição brasileira prevê, em seu artigo 1º, inciso III, que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana

Conforme acentua Jorge Alcibíades Perrone de Oliveira, que foi Desembargador do TJRS e consultor jurídico do CREMERS:

 

“A Medicina situa-se entre as profissões de que mais se exige rigor de conduta, no seu exercício. E entre os tantos rigores, avulta sobremaneira a exigência do segredo ou sigilo médico. Tal exigência se encontra visceralmente ligada ao seu exercício e, especialmente, à relação médicopaciente[9].

 

 

Assim, em suma, o/a médico/a se encaixa dentre as categorias profissionais que ostentam natureza de confidentes necessários, constituindo o segredo médico matéria de ordem pública.

 

Novamente valem as palavras do autor referido acima: 

 

Embora, sem sombra de dúvida, o segredo seja um direito do paciente, integrando o seu patrimônio ético-jurídico, do qual o médico é apenas o depositário, o segredo não tem caráter puramente privado. Ao contrário, corresponde também a um patrimônio ou interesse público, pois interessa igualmente à coletividade que o indivíduo possa confiar sua vida privada a alguém e não a veja exposta à publicidade. A prova do interesse do Estado é a proteção penal dada ao segredo, que define como crime sua violação – art. 154 do Código Penal11.

 

O Código de Ética Médica, aprovado pela Resolução 2.217/2018 de 01 de setembro de 2018 do Conselho Federal de Medicina, impõe aos profissionais médicos a manutenção do sigilo profissional nos seguintes termos:

 

“Princípios fundamentais. XI - O médico guardará sigilo a respeito das informações de que detenha conhecimento no desempenho de suas funções, com exceção dos casos previstos em lei.

 

É vedado ao médico: Art. 73. Revelar fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por motivo justo, dever legal ou consentimento, por escrito, do paciente. Parágrafo único. Permanece essa proibição: a) mesmo que o fato seja de conhecimento público ou o paciente tenha falecido; b) quando de seu depoimento como testemunha. Nessa hipótese, o médico comparecerá perante a autoridade e declarará seu impedimento; c) na investigação de suspeita de crime, o médico estará impedido de revelar segredo que possa expor o paciente a processo penal.”

 

 

Entender que o sigilo profissional não prevalece, faria ruir por completo as normas constitucionais que protegem o direito à intimidade e o direito à saúde. 

 

No mesmo sentido, a Resolução n. 1605/2000 do Conselho Federal de Medicina dispõe: 

 

“Art. 1º - O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica. ” 

 

 

Diante de todo esse cenário normativo, não há dúvidas que o artigo 1º vai de encontro aos direitos convencionalmente, constitucionalmente, e legalmente assegurados de intimidade, privacidade, confidencialidade, sigilo profissional, já que criam novas hipóteses de quebra de sigilo profissional sem amparo normativo. 

 

  1. Da alteração do termo “violência sexual”, impropriedade.

 

PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 5

Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde.

Seção II

Do Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei

 

PORTARIA Nº 2.282

 

Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e

Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.

Art. 698. A terceira fase verifica-se com a assinatura

Art. 5º A terceira fase se verifica com a assinatura da

da gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse Termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima de violência sexual. (Origem: PRT MS/GM 1508/2005, Art. 5º)

gestante no Termo de Responsabilidade ou, se for incapaz, também de seu representante legal, e esse termo conterá advertência expressa sobre a previsão dos crimes de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal) e de aborto (art. 124 do Código Penal), caso não tenha sido vítima do crime de estupro.

 

 

A modificação da terminologia utilizada para o procedimento de justificação de interrupção de gravidez prevista na Portaria 2282, traz uma impropriedade em relação ao sistema de enfrentamento à violência sexual. Isto porque, o estupro é uma das formas de violência sexual.

A própria Lei Maria da Penha trata a violência sexual de forma mais ampla, conceituando como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter, ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos (art. 7°, III, Lei nº 11.340/2006).

Com a alteração promovida pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, alterou-se a definição de estupro, que passa a ser: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso” (art. 213, CP).

Além disso, a legislação penal tipificou outras condutas que se amoldam ao conceito de violência sexual e não estritamente ao conceito de estupro. É o que ocorre nos “crimes contra a liberdade sexual”, com a violação sexual mediante fraude (art. 215) e o assédio sexual (art. 216-A); nos “crimes contra vulnerável”: “estupro de vulnerável” (art. 217-A), que consiste em “Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos”; “Corrupção de menores” que consiste no “induzimento de menor de 14 anos a satisfazer a lascívia de outrem” (art. 218); na “satisfação de lascívia mediante a presença de criança ou adolescente” (art. 218-A) e no “favorecimento da prostituição ou outra forma de exploração sexual de vulnerável “(art. 218-B). 

Dessa forma, a restrição ao conceito de estupro somente traz a redução do espectro protetivo do amplo sistema de proteção às vítimas de violência sexual.

 

  1. Da inserção da possibilidade de visualização do feto ou embrião na ultrassonografia.

 

PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 5

Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde.

Seção II

Do Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei

 

PORTARIA Nº 2.282

 

Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e

Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.

 

 

Sem previsão

Art. 8º Na segunda fase procedimental, descrita no art. 4º desta Portaria, a equipe médica deverá informar acerca da possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, caso a gestante deseje, e essa deverá proferir expressamente sua concordância, de forma documentada.

 

 

Com efeito, de acordo com a OMS, saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não se restringindo, portanto, a ausência de enfermidades. A saúde sexual e a saúde reprodutiva estão claramente inseridas nesse conceito amplo. 

Por sua vez, a Convenção sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres ratificada pelo Brasil em 1994, aponta que o Estado deve condenar a distinção baseada no sexo que tenha por resultado prejudicar o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos social, econômico, político, cultural e civil. Ainda, a mesma Convenção estabelece que os EstadosPartes devem adotar medidas para eliminar a discriminação contra a mulher na esfera dos cuidados médicos[10].

A Recomendação Geral nº 24 do CEDAW, que trata sobre a interpretação do art. 12 da

Convenção estabelece que “o cumprimento pelos Estados Partes do artigo 12.º da Convenção é essencial para a saúde e o bem-estar das mulheres. O artigo requer que os Estados eliminem a discriminação contra as mulheres no que respeita ao seu acesso aos serviços de cuidados de saúde, durante todo o ciclo da vida, em particular nas áreas do planejamento familiar, da gravidez, do parto e no período pós-natal.”  A Norma Técnica Atenção Humanizada ao Abortamento13, do Ministério da Saúde define

“Atenção Humanizada” como: 

 

“Promover o acolhimento, a informação, a orientação e o suporte

emocional no atendimento favorece a atenção humanizada por meio da interação da equipe com a clientela, o que determina as percepções desta quanto à qualidade da assistência, melhora da relação profissional de saúde/usuária, aumenta a capacidade de resposta do serviço e o grau de satisfação das mulheres com o serviço prestado, assim como influência na decisão pela busca de um futuro atendimento. Nos casos de abortamento por estupro, o profissional deverá atuar como facilitador do processo de tomada de decisão, respeitando-a”. (Grifos nossos).

 

 

Assim, a referida inserção no sentido de criar uma nova etapa no procedimento de saúde no sentido de tonar obrigatório o questionamento pela equipe da saúde à vítima de violência sexual acerca da possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia, não encontra amparo nas normativas de proteção dos direitos humanos das mulheres, nem está baseada em evidências científicas e normativas do próprio Ministério da Saúde que preconiza do atendimento humanizado de meninas e mulheres em situação de violência sexual que optaram pela interrupção legal da gravidez, como aqui amplamente exposto.

Ao revés, traz dor, angústia e revitimização da vítima quando há determinação que a equipe médica necessariamente ofereça o cotejo do feto ou embrião antes da realização do procedimento. Tal disposição, apenas serviria para o intuito de desmotivar a vítima a realização do procedimento, caracterizando mais uma forma de culpabilização. 

Além dos argumentos fáticos e jurídicos explanados e pontuados neste documento técnico de informação, insta salientar quanto à prática de tortura a que as mulheres ficarão expostas com a necessidade de visualizar e ouvir o feto ou embrião por ultrassonografia, para, só então, decidir quanto à interrupção da gravidez fruto de violência sexual. 

A interrupção da gestação advinda de crime, além de outros fatores, tem o condão de não deixar nas vítimas resquícios de lembranças quanto ao sofrimento. Incutir, mais uma vez, como em tantas outras oportunidades já aconteceram, na mulher a responsabilidade advinda por compaixão ou pena, é querer a tratar como objeto à disposição e satisfação do Estado. E mais, é a pressionar com tratamentos cruéis, degradantes, desumanos e de tortura, marcando indelevelmente a vida da mulher. 

O artigo 25 do Código de Ética Médica cuida do assunto: “É vedado ao médico: Deixar e denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou forneça meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem”.

Através do Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991, o Brasil promulgou a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos e Degradantes. É da citada Convenção, segundo o artigo 1º: “1. Para fins da presente Convenção, o termo “tortura” designa qualquer ato pelo qual dores ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são infligidos intencionalmente a uma pessoa a fim de obter, dela ou de uma terceira pessoa, informações ou confissões; de castigá-la por ato que ela ou uma terceira pessoa tenha cometido ou seja suspeita de ter cometido; de intimidar ou coagir esta pessoa ou outras pessoas; ou por qualquer motivo baseado em discriminação de qualquer natureza; quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário público ou outra pessoa no exercício de funções públicas, ou por sua instigação, ou com o seu consentimento ou aquiescência. Não se considerará como tortura as dores ou sofrimentos que sejam consequência unicamente de sanções legítimas, ou que sejam inerentes a tais sanções ou delas decorram.”    

 

  1. Do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – Direcionamento da Decisão.

 

PORTARIA DE CONSOLIDAÇÃO Nº 5

Consolidação das normas sobre as ações e os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde.

Seção II

Do Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei

 

PORTARIA Nº 2.282

 

Dispõe sobre o Procedimento de Justificação e

Autorização da Interrupção da Gravidez nos casos previstos em lei, no âmbito do Sistema Único de Saúde-SUS.

 

ANEXO V

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E

ESCLARECIDO

INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ RESULTANTE DE

VIOLÊNCIA SEXUAL

Por meio deste instrumento eu,__________________________, documento de identificação         tipo

 

 

ANEXO V

(IDENTIFICAÇÃO DO SERVIÇO)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO

INTERRUPÇÃO         DE                GRAVIDEZ RESULTANTE DE ESTUPRO

Por         meio       deste      instrumento,

eu,__________________________, documento de identificação tipo __________, nº_____________, registro hospitalar nº____________ e/ou meu

__________,nº_____________registro hospitalar nº____________ e/ou meu representante legal/responsável_______________________ documento de identificação tipo _________ nº ___________., em conformidade com o  Artigo  128, inciso II do Código Penal Brasileiro, exerço o direito de escolha pela interrupção da gestação de forma livre, consciente e informada.

Declaro que estou informada da possibilidade de manter a gestação até o seu término, sendo-me garantido os cuidados de pré-natal e parto,  apropriados para a situação; e das alternativas após o nascimento, que incluem a escolha de permanecer com a criança e inseri-la na família, ou de proceder com os mecanismos legais  de doação. (suprimido)

Declaro, estar esclarecida (os) dos procedimentos médicos que serão adotados durante a realização da intervenção (abortamento previsto em Lei), bem como dos desconfortos e riscos possíveis à saúde, as formas de assistência e acompanhamentos

posteriores e os profissionais responsáveis

Declaro, que me é garantido o direito ao sigilo das informações prestadas, exceto em caso de requisição judicial .

Declaro, outrossim, que após convenientemente esclarecida pelos profissionais de saúde e ter entendido o que me foi explicado, solicito de forma livre e esclarecida a interrupção da gestação atual decorrente de violência sexual, e autorizo a equipe do Hospital ______________________________aos procedimentos necessários.

Local e

data:__________________________________ _________________________________

Nome, identificação e assinatura.

______________________________

Testemunha

Nome, identificação e assinatura

______________________________ Testemunha

Nome, identificação e assinatura

representante       legal/responsável _______________________,            documento                de identificação tipo _________, nº ___________, em conformidade com o artigo 128, inciso II, do Código Penal Brasileiro, exerço o direito de escolha pela interrupção da gestação, de forma livre, consciente e informada.

Declaro         estar       esclarecida        dos

procedimentos médicos que serão adotados durante a realização da intervenção (abortamento previsto em lei), bem como dos desconfortos e riscos possíveis à saúde, as formas de assistência e acompanhamentos posteriores e os profissionais responsáveis.

Faz-se          necessário           trazer     o

detalhamento dos riscos da realização da intervenção por abortamento previsto em lei:

a)   Abortamento       medicamentoso,

antes das 14 semanas de gravidez, os principais riscos do aborto medicamentoso são:

-             Necessidade   de           outro

procedimento para remover partes da gravidez que permaneceram no útero;

-             Complicações               graves,            como

sangramento intenso, danos ao útero ou sepse;

b) A partir das 14 semanas de

gravidez, os principais riscos do aborto medicamentoso são:

-             Necessidade   de           outro

procedimento para remover partes da gravidez que permaneceram no útero;

-             Infecção ou lesão no útero;

c) Aborto cirúrgico - Antes das 14

semanas de gravidez, os principais riscos do aborto cirúrgico são:

-             Necessidade   de           outro

procedimento para remover partes da gravidez que permaneceram no útero;

-             Complicações               graves,            como

sangramento intenso, danos ao útero ou sepse;

d) Após 14 semanas de gravidez, os

principais riscos de aborto cirúrgico são:

-                Necessidade        de           outro

procedimento para remover partes da gravidez que permaneceram no útero;

-                Sangramento muito intenso;

-                Infecção;

-                Lesão no útero ou entrada no útero (colo do útero);

Declaro estar esclarecida acerca do

 

risco de morte conforme a idade gestacional em que me encontro.

* Os riscos apontados têm como

base os protocolos da Organização Mundial de Saúde - OMS (Abortamento seguro: orientação técnica e de políticas para sistemas de saúde - 2ª ed. 1. Aborto induzido. 2.Cuidado pré-natal. 3.Bem-estar materno. 4.Política de saúde. 5.Guia -

ISBN 978 92 4 854843 7), bem como do National

Health    Service -              NHS,      disponível                em:

<https://www.nhs.uk/conditions/abortion/risks/>.

Declaro que me é garantido o direito

ao sigilo das informações prestadas, passíveis de compartilhamento em caso de requisição judicial.

Declaro também que, após ter sido

convenientemente esclarecida pelos profissionais de saúde e entendido o que me foi explicado, solicito de forma livre e esclarecida a interrupção da gestação atual decorrente de estupro, e autorizo a equipe do Hospital ___________________________ aos procedimentos necessários.

Local             e             data:

__________________________________

_______________________________ __

Nome, identificação e assinatura.

_______________________________ __

Testemunha

Nome, identificação e assinatura.

_______________________________ __

Testemunha

Nome, identificação e assinatura.

 

Sobre a alteração do ANEXO V, é importante analisar se as informações que são oferecidas acerca dos riscos decorrentes do procedimento, incluindo risco de morte, encontram respaldo nas evidências científicas e se seria possível omitir informações acerca dos riscos atinentes à continuidade da gestação, como ocorreu no referido anexo.

Para tanto, destacamos trecho do mesmo documento da Organização Mundial de Saúde[11] que está referenciada na Portaria 2282.

 

“2.2.6 Manejo das complicações do abortamento quando o abortamento é realizado por pessoal devidamente treinado, em condições médicas modernas, é extremamente raro surgirem complicações e o risco de morte é insignificante. (grifos nossos)

2.2.6.8 Sequelas a longo prazo A grande maioria das mulheres que têm um abortamento induzido adequadamente não sofrerá nenhum tipo de sequelas a longo prazo para sua saúde geral e reprodutiva (113-115). Em tempos modernos, o risco de morte a partir de um abortamento induzido em condições seguras é menor do que tomar uma injeção de penicilina

(116) ou levar uma gravidez a termo (1)”. (grifos nossos)

 

Em âmbito internacional, destaca-se a Recomendação Geral nº 24 do Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, a seguir reproduzidos, em tradução livre:

“20. As mulheres têm o direito de serem plenamente informadas, por pessoal devidamente treinado, de suas opções em concordar com tratamento ou pesquisa, incluindo possíveis benefícios e potenciais efeitos adversos dos procedimentos propostos e alternativas disponíveis”. (grifos nossos).

“31. Os Estados Partes devem também, em particular:

(e) Exigir que todos os serviços de saúde sejam consistentes com os direitos humanos das mulheres, incluindo os direitos de autonomia, privacidade, confidencialidade, consentimento informado e escolha”. (destaques nossos)

No mesmo sentido o Código de Ética Médica:

“Art. 31.Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte”. (grifos nossos).

“Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal”. 

“Art. 35. Exagerar a gravidade do diagnóstico ou do prognóstico, complicar a terapêutica ou exceder-se no número de visitas, consultas ou quaisquer outros procedimentos médicos”.(grifos nossos)

 

A Nota Técnica de Prevenção e Tratamento dos Agravos Resultantes da Violência Sexual contra Mulheres e Adolescentes do Ministério da Saúde ainda preleciona sobre as informações e orientações a serem prestadas a gestante.

“Informações claras, completas e de forma acessível devem ser oferecidas para a mulher que realiza o abortamento previsto em lei, respeitando-se os princípios de confidencialidade e de privacidade. Essas informações devem ser colocadas de forma cuidadosa, considerando-se as condições emocionais de cada mulher. Elas devem ser esclarecidas sobre os procedimentos técnicos que serão adotados, sobre as medidas para alívio da dor, tempo do procedimento, período de internação, segurança do procedimento e possíveis riscos envolvidos. É comum que as mulheres expressem diferentes dúvidas e receios, muitas vezes imprevisíveis para os profissionais de saúde, principalmente sobre os riscos do  procedimento ou seu impacto para a fertilidade futura” (pág. 83).

 

Desse modo, verifica-se que não há na presente normativa garantia do consentimento livre, prévio e informado às mulheres, já que as evidências científicas demonstram que a interrupção da gestação é um dos procedimentos mais seguros quando se trata de intervenções na saúde reprodutiva e sexual, ao mesmo tempo que a portaria deixa informar também sobre os riscos da continuidade de gestação decorrente de violência sexual, principalmente para meninas e adolescentes. 

 

III - CONCLUSÃO:

 

Diante do exposto, tem-se que a Portaria 2.282 de 27 de agosto de 2020 é inconvencional, inconstitucional e ilegal, pois não observa o respeito à autonomia, autodeterminação,  intimidade, confidenciabilidade, consentimento prévio e livre, bem como fere liberdade reprodutiva e atendimento humanizado, princípios basilares do SUS, e constitui um retrocesso aos direitos humanos e da política pública de enfrentamento a violência sexual de menina, adolescentes e mulheres que no atual contexto da saúde pública brasileira ainda se sujeitam a entraves de toda ordem para o exercício de seu direito a interrupção legal de gravidez em caso de violência sexual. Por todos esses motivos, e por trazer torturas, constrangimentos e práticas degradantes para o exercício pleno do direito, concluímos pela inconstitucionalidade, inconvencionalidade e ilegalidade da Portaria do Ministério da Saúde de nº 2282 (27 de agosto de 2020), e, consequentemente, pela sua não aplicabilidade diante da nulidade absoluta, recomendando a sua imediata revogação. 

Por fim, coloca-se à disposição para contribuir com o debate relacionado à matéria e esclarecimentos que se fizerem necessários.

 

 

ROSANA LEITE ANTUNES DE BARROS

Defensora pública Coordenadora da Comissão Especial de Proteção e Defesa dos Direitos da Mulher do CONDEGE

 

 

MAURÍCIO GARCIA SAPORITO

Defensor Público Coordenador da Comissão Permanente Criminal do CONDEGE

 

 

 

HIRAM NASCIMENTO CABRITA DE SANTANA

Defensor Público Coordenador da Comissão Especializada de Saúde Pública do

CONDEGE

 

[1] Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/politica-nacional-de-atencaointegral-a-saude-da-mulher-pnaism/. Acesso em 29.08.2020

[2] Disponível em:

https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf. Acesso em dia 29.08.2020.

[3] Disponível em:

https://iris.paho.org/bitstream/handle/10665.2/18386/CD549Rev2_por.pdf?sequence=%209&isAllowe d=y. Aceso em 29.08.2020

[4] Idem.  5  Disponível em: https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/biblioteca/politica-nacional-de-atencaointegral-a-saude-da-mulher-pnaism/. Acesso em 29.08.2020

[5] Idem.

[6] Disponível emhttps://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_pessoas_violencia_sexual_nor ma_tecnica.pdf. Acesso em 29.08.2020.

[7] Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0592.htm. Acessado em 29.08.2020

[8] Disponível em:  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D0678.htm. Acessado em 29.08.2020

 

[9] Sigilo ou segredo médico – A Ética e o Direito. Revista Bioética, n. 2, v. 9, 2001, p. 141. 11Idem, ibidem.

[10] Disponível em:  http://www.onumulheres.org.br/wpcontent/uploads/2013/03/convencao_cedaw1.pdf. Acessado 29.08.2020 13  Disponível em:

http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_humanizada_abortamento_norma_tecnica_2ed.p df. Acessado 29.08.2020

[11] Disponível em:

https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/70914/9789248548437_por.pdf;jsessionid=D6708FD

D82872C9524E057201A94DCED?sequence=7. Acessado em 29.08.2020

Top