NOTA PÚBLICA DA COMISSÃO ESPECIALIZADA DE PROMOÇÃO E DEFESA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE DO CONDEGE SOBRE PRISÃO DE MÃE COM BEBÊ RECÉM-NASCIDO E O MARCO LEGAL DA PRIMEIRA INFÂNCIA

Sobre o recente caso ocorrido em São Paulo, de uma jovem de 24 anos presa com o bebê recém-nascido, e diante dos marcos normativos da proteção aos direitos de crianças e adolescentes no Brasil, vem a Comissão Especializada de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente do CONDEGE manifestar-se através da presente nota.

Desde a Constituição de 1988, com a mudança de paradigma da situação irregular para a proteção integral, o Brasil assumiu o compromisso como dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, posteriormente, através da Emenda Constitucional 65/2010, incluindo também o jovem, com prioridade absoluta, os direitos fundamentais, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Com a promulgação da Lei 8069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, foram regulamentados os artigos 227 e 228 da Constituição da República, que tratam dos direitos e da responsabilização pela prática de ato infracional.

A Convenção sobre Direitos da Criança, aprovada em assembleia geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 foi ratificada pelo Brasil também em 1990, através do Decreto 99.710, mesmo ano da edição do Estatuto da Criança e do Adolescente, consagra o princípio do interesse superior, um dos princípios fundantes, além da não discriminação, direito ao desenvolvimento e à sobrevivência e participação.

O interesse superior está previsto no artigo 3º da Convenção, que afirma:

  1. Todas as ações relativas às crianças, levadas a efeito por autoridades administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar, primordialmente, o interesse maior da criança.
  2. Os Estados Partes se comprometem a assegurar à criança a proteção e cuidado que sejam necessários para seu bem-estar, levando em consideração os direitos e deveres de seus pais, tutores e outras pessoas responsáveis por ela perante a lei e, com essa finalidade, tomarão todas as medidas legislativas e administrativas adequadas.

Importante registrar que não se faz menção expressa ao Poder Judiciário porque se pressupõe o reconhecimento dos direitos consagrados nos instrumentos nacionais e internacionais.

Assim, importante marco normativo no Brasil foi a aprovação da Lei 13.257, de 08 de março de 2016 que dispõe sobre as políticas para a primeira infância e altera a Lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), o Decreto-lei 3.689, de 03 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), dentre outras legislações.

O artigo 41 da Lei 13.257/2016 alterou o artigo 318 do Código de Processo Penal para incluir nas hipóteses de prisão domiciliar gestante, mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos e homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos incompletos.

Com esse dispositivo legal, o Brasil cumpre as Regras de Bankok, em especial a regra 57, sobre medidas não restritivas de liberdade:

III. Medidas não restritivas de liberdade

Regra 57 As provisões das Regras de Tóquio deverão orientar o desenvolvimento e a implementação de respostas adequadas às mulheres infratoras. Deverão ser desenvolvidas, dentro do sistema jurídico do Estado membro, opções específicas para mulheres de medidas despenalizadoras e alternativas à prisão e à prisão cautelar, considerando o histórico de vitimização de diversas mulheres infratoras e suas responsabilidades de cuidado. 

Importante destacar a apresentação do Ministro Ricardo Lewandowski, na ocasião Presidente do Conselho Nacional de Justiça:

“O principal marco normativo internacional a abordar essa problemática são as chamadas Regras de Bangkok − Regras das Nações Unidas para o tratamento de mulheres presas e medidas não privativas de liberdade para mulheres infratoras. Essas Regras propõem olhar diferenciado para as especificidades de gênero no encarceramento feminino, tanto no campo da execução penal, como também na priorização de medidas não privativas de liberdade, ou seja, que evitem a entrada de mulheres no sistema carcerário. 

Apesar de o Governo Brasileiro ter participado ativamente das negociações para a elaboração das Regras de Bangkok e a sua aprovação na Assembleia Geral das Nações Unidas, até o momento elas não foram plasmadas em políticas públicas consistentes, em nosso país, sinalizando, ainda, o quanto carece de fomento a implementação e a internalização eficaz pelo Brasil das normas de direito internacional dos direitos humanos. 

E cumprir esta regra é um compromisso internacional assumido pelo Brasil. Embora se reconheça a necessidade de impulsionar a criação de políticas públicas de alternativas à aplicação de penas de prisão às mulheres, é estratégico abordar o problema primeiramente sob o viés da redução do encarceramento feminino provisório. De acordo com as Regras de Bangkok, deve ser priorizada solução judicial que facilite a utilização de alternativas penais ao encarceramento, principalmente para as hipóteses em que ainda não haja decisão condenatória transitada em julgado. 

Com o intuito de promover e incentivar a aplicação desta norma pelos poderes Judiciário e Executivo, o primeiro passo é dar publicidade oficial às Regras de Bangkok, agora traduzidas para o português, o que

fazemos com esta publicação, com apoio do ITTC - Instituto Terra, Trabalho e Cidadania e da Pastoral Carcerária Nacional. 

Mas a mera tradução da norma, por si só, não garante sua aplicação pelos poderes responsáveis. Por isso é necessário que o fato ganhe ampla repercussão, considerando o tamanho das mudanças que podem acarretar sobre o encarceramento feminino. Essa divulgação deve ser qualificada com a participação dos diversos atores estatais e da sociedade civil, ao se discutir sobre a problemática do encarceramento feminino e sobre como aplicar as Regras de Bangkok sistematicamente pode combater a violência institucional que dessa situação decorre. 

Com o intuito de promover maior vinculação à pauta de combate à desigualdade e violência de gênero, neste dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, lançamos esta publicação, pretendendo jogar luzes para a mudança necessária do panorama relacionado com o encarceramento feminino no país.”

Cabe lembrar que ao tratarmos do direito de criança e adolescente não é possível ignorar o princípio constitucional da prioridade absoluta, que significa precisamente o atendimento de forma imediata e antes de qualquer outra questão.

Com estas questões em mente, claro está que a custódia da genitora, logo após o parto, fazendo com que o bebê, com poucas horas de vida, fosse mantido junto com ela dentro de uma cela em um equipamento da Secretaria de Segurança Pública, ofende os mais basilares princípios que regem o direito da criança e do adolescente. 

Não há dúvida de que fere o interesse superior de um bebê não ser mantido com sua mãe após seu nascimento, mas a custódia da genitora, primária, que estaria portando pequena quantidade de maconha em suas vestes, ofende o ordenamento jurídico, principalmente as alterações decorrentes da Lei da Primeira Infância. 

Não se pode compreender que o Poder Judiciário, que integra o Estado, na expressão contida na Constituição da República, possa manter uma prisão de alguém que acabou de ter um filho e que entrou em trabalho de parto no momento em que estava sendo presa. É uma violação ao direito da criança, acima de tudo. 

Cabe a todos nós papel relevante na proteção e garantia de direitos de crianças e adolescentes e por isso mesmo é que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 86, prevê o sistema de garantia de direitos como conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, exatamente na perspectiva de trabalho conjunto e integrado do qual fazem parte instâncias do poder público e da sociedade civil.

Compreendendo que a permanência de um bebê encarcerado com a mãe não atende ao superior interesse da criança e que é papel da Defensoria Pública defender com prioridade absoluta os direitos fundamentais de crianças e adolescentes, manifesta essa Comissão Especializada do   CONDEGE veemente repúdio à permanência de um bebê recém-nascido num local de privação de liberdade, em especial diante dos princípios e regras constitucionais e legais no sentido de medidas desencarceradoras que garantam a convivência familiar e comunitária em ambiente que promova o desenvolvimento saudável.

 

 

 

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